DOSSIÊS

RELIGIÃO E POLÍTICA

Por Dr. Hédio Silva Jr.(*)

Na versão original do famoso “Samba do Avião”, Tom Jobim inicia a letra fazendo uma saudação a Oiá e Xangô; em seguida presta homenagem a um dos cartões postais do Brasil: “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara...”.

Inaugurada no dia 12 de outubro de 1931, no Corcovado, mais alto morro da capital carioca, a escultura do Cristo Redentor pesa 1.145 toneladas, tem 38 metros de altura e 30 de largura (de mão a mão).

A obra é considerada a maior estátua “art decó” do mundo, estilo arquitetônico marcado por linhas simples, elegantes e traços geométricos.

Aproximadamente um milhão de turistas estrangeiros e brasileiros visita anualmente o monumento, sendo que estão avançados os estudos para o seu tombamento. Trata-se de tombamento da própria estátua, tendo em vista que a paisagem natural do Corcovado foi tombada há décadas.

O que pouca gente sabe é que a inauguração do Cristo Redentor fez parte de um grande acordo entre o Governo Provisório de Getúlio Vargas e a Igreja Católica.

A relação política entre Estado e igreja não era nova e vinha desde os serviços prestados por esta à Coroa Portuguesa, inclusive a catequização obrigatória dos africanos escravizados.

Na inauguração do Cristo Redentor, Getúlio e todo o seu ministério subiram o Corcovado para ouvir a pregação do Cardeal Sebastião Leme, que consagrou a nação “ao Coração Santíssimo de Jesus, reconhecendo-o para sempre seu Rei e Senhor”.

Outro afago feito por Getúlio foi a adoção de um decreto que permitiu o ensino religioso nas escolas públicas, desobedecendo abertamente a proibição estabelecida pela Constituição vigente na época. Em troca, a Igreja levou a massa da população católica a apoiar o novo governo.

Foi assim que o símbolo de uma religião foi transformado em símbolo nacional, cantado em verso e prosa.

Vale lembrar que nos nossos dias são frequentes as notícias sobre a atuação de bancadas católicas e evangélicas no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.

Exemplos como este não deixam nenhuma dúvida: todas as religiões, sem exceção, fazem acordos com políticos e governantes. Religião e política sempre andaram juntas – para o bem ou para o mal.

No caso do Candomblé e da Umbanda, o problema não está em se fazer política dentro da religião. Primeiro porque a política está presente em nossa vida o tempo todo, em todo lugar.

Quantos fiéis das Religiões Afro-brasileiras não são obrigados a esconder sua religião no local de trabalho, na escola ou na vizinhança para não sofrer discriminação? Quantos já não foram vítimas de humilhação, de preconceito e não tiveram a quem recorrer? Tudo isso depende da política.

O problema, portanto, é que muitos fiéis e Ministros (as) das Religiões Afro-brasileiras ainda têm dificuldade para compreender a força do voto, a força da nossa comunidade organizada.

Em ano eleitoral sempre aparecem os candidatos nos Terreiros. Eles chegam, dão tapinhas nas costas, distribuem sorrisos e presentinhos na comunidade e depois ficam quatro anos votando contra os direitos e interesses da Umbanda e do Candomblé.

Por isso precisamos lembrar que voto é coisa séria. Quem vende seu voto, geralmente por preço muito barato (um saquinho de doces aqui, um saco de cimento ali) não tem o direito de cobrar depois.

O voto deve servir para fortalecer nossa Religião, fazendo com que Candomblé e Umbanda sejam cada vez mais respeitados e exerçam todos os direitos que a lei assegura às religiões.

Devem merecer nosso voto àqueles candidatos que assumam compromisso público com a comunidade, que apresentem propostas concretas e que lutem contra a intolerância religiosa. 

O ideal certamente é que o voto sirva para eleger candidatos da própria Umbanda e Candomblé, colocando nas Câmaras de Vereadores pessoas que sintam na pele o peso da discriminação religiosa.

Se todas as religiões têm atuação no campo da política, por que Candomblé e Umbanda não podem ter? Só nós não podemos? E os outros?


(*) Dr. Hédio Silva Jr., Professor, Diretor da Faculdade Zumbi dos Palmares, Advogado e Ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo. Militante há mais de 30 anos contra a Intolerância Religiosa e Racial.
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Religiões de Matrizes Africanas x Participação Política



por Paulo Tharcicio Motta Vieira (*)



Apresentação



Os fiéis, simpatizantes e os templos das religiões de matrizes africanas só costumam ser lembrados em épocas de eleições por candidatos a cargos eletivos que os visitam e insistem em se afirmar simpatizantes, mas, passadas as eleições, qualquer que seja o resultado, se esquecem daqueles a quem foram solicitar ajuda.



Outros, nem se dão ao trabalho de pedir os votos das comunidades de terreiros, muito, em função das barganhas que fazem com as igrejas eletrônicas, estabelecendo acordos ilegítimos, que põem em risco a laicidade do estado brasileiro. 

De certo, que fomos criados ouvindo a frase cunhada pelo “senso comum” de que religião e política, não se discute! 

E, só agora entendemos que essa afirmativa só servia para nós, todas as outras religiões discutiram, entraram na política, participam de partidos e compartilham o poder. enquanto isso, para nós resta o preconceito e a discriminação.

Entretanto, em 2014, encontramos um momento propício para assumir um novo posicionamento coletivo, enquanto fiéis e simpatizantes das religiões de matrizes africanas, qualificando o nosso apoio, condicionando-o à assunção de compromissos escritos, assinados e registrados em cartório de registro de títulos e documentos, por todos aqueles que quisessem pedir o nosso apoio eleitoral. 

Assim, com um documento com validade legal, poderemos, mais tarde, utilizar esse instrumento para a cobrança das nossas demandas e reivindicações.

A rigor, o que temos que ter claro é que não podemos mais deixar que outros decidam politicamente por nós, precisamos ser os autores da nossa história, assumindo o papel principal, resgatando o legado histórico e o importante papel social desenvolvido nos templos das religiões de matrizes africanas, através de ações caritativas, sociais, educacionais e culturais e assim dando-lhes visibilidade.

Acreditamos que temos muito a ensinar, desde a igualdade fraterna vivenciada nos templos, onde, para a espiritualidade todos somos iguais, valendo o que somos e não o que temos. 

Das Entidades e Guias trazemos as lições de humildade e sabedoria dos Pretos e Pretas Velhas, a força e perseverança dos Caboclos e Caboclas, da ingenuidade e alegria dos Erês.

Assim, e somente assim, devemos, com toda a serenidade, ajudar a construir os caminhos de igualdade, paz e fraternidade para toda a civilização humana no planeta, pensando e agindo coletivamente, com a certeza de deixarmos um mundo melhor para as gerações futuras.

Para materializar esse novo posicionamento, e tendo sido procurado por dois grandes parceiros de longa data, que têm o maior interesse em assumir as demandas e reivindicações do povo de terreiro, sendo candidatos a deputado federal, Denílson Pestana da Costa que postula o seu primeiro mandato e estadual Péricles de Holleben Mello (que já é deputado) solicitando que intermediássemos o apoio junto ás religiões de matrizes africanas.

É importante salientar que ambos têm encampado diversas ações da FUEP, auxiliando financeiramente a realização dos festivais de curimba desde a festa dos 100 anos da Umbanda, comemorada em 2008 na Ópera de Arame em Curitiba. 

E, além disso tem nos ajudado no trâmite de questões junto aos poderes judiciário, executivo e legislativo, nos três níveis de poder.

Propusemos a assinatura de uma carta compromisso, constando de reivindicações essenciais para legitimação das Religiões de Matrizes Africanas, ajudando na diminuição do preconceito e da discriminação que sofremos, que passam por ações imediatas e de outras que dependem de aprovar e fazer valer as políticas públicas específicas para os povos de terreiro.

Procuramos inicialmente o Pai André de Xangô dirigente do Terreiro de Umbanda Tio Antônio e presidente do Conselho Deliberativo da Federação Umbandista do Estado do Paraná (FUEP), e, para não perder tempo, redigimos um primeiro rascunho da carta compromisso, que após discussão com as respectivas assessorias dos candidatos, foi aceita sem ressalvas. 

Assim, tendo ambos os candidatos concordado com os termos, foi necessário construir a carta compromisso definitiva, em conjunto com as lideranças espiritualistas da Umbanda, do Candomblé e das demais religiões desses segmentos em nosso estado.

Dessa forma, conversamos com alguns dirigentes e dessa conversa listamos as lideranças expressivas, que entendemos ser importantes nas suas raízes religiosas, assim como politicamente, para tornarem-se signatários iniciais da carta compromisso.

Após, fizemos a assinatura da carta compromisso com a presença de mais de 200 lideranças espiritualistas da Umbanda e do Candomblé, numa grande Kizomba realizada no dia 26/08/2014, no Espaço Cultural do Cazuá do C.H.A, em Curitiba.

O deputado estadual Péricles de Holleben Mello foi reeleito, assim, após a sua posse no novo mandato, deveremos buscar um diálogo para que se efetive os compromissos assumidos no período eleitoral.

(*) Paulo Tharcicio Motta Vieira foi o presidente da diretoria executiva da Federação Umbandista do Estado do Paraná por dois mandatos, de 2009 a 2013 e de 2013 a 2017.

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“Carta Compromisso dos candidatos a cargos eletivos com a Umbanda, Candomblé e Demais Religiões de Matrizes Africanas”

Introdução


De tempos em tempos, a Umbanda, o Candomblé e as demais Religiões de Matrizes Africanas, são vítimas de reportagens sensacionalistas veiculadas por jornais, rádios e televisões, que noticiam de forma irresponsável, denúncias nem sempre verdadeiras, envolvendo os seus dirigentes.

Essas reportagens, via-de-regra trazem intrínsecas uma culpabilidade, formando uma opinião deturpada com relação ás religiões, uma vez que não é dado o direito de sermos ouvidos.



Além disso, a imprensa, não se dá ao trabalho de verificar a veracidade dos fatos apresentados, procurando um legítimo representante dessas religiões.



Da mesma forma, diariamente, rádios e televisões vinculadas a determinadas facções religiosas evangélicas, ditas neopentecostais, reproduzem em programas de cunho sensacionalista e circense, matérias sempre desabonadoras com relação às Religiões de Matriz Africana e seus dirigentes, estabelecendo uma verdadeira cruzada, incitando os seus expectadores a ações violentas contra os terreiros.

Em função das características inerentes ao processo de desenvolvimento das Religiões de Matriz Africana, não se consegue uma articulação política para impedir essas veiculações, talvez, pela dificuldade de unificação das religiões em torno de uma atividade de frente ampla, articulação essa, que procuramos buscar à partir desse documento, redigido pela direção da FUEP, Templos Associados e não associados, mas com muita afinidade de princípios, e pelo Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana.

Considera-se oportuno, uma vez que se aproximam as eleições de 2014, e o nosso apoio será dado aqueles candidatos que aderirem ao documento denominado “Carta Compromisso com a Umbanda, Candomblé e demais Religiões de Matrizes Africanas”, efetivada pelos candidatos a cargos eletivos nas eleições de 2014, a qual apresentamos para a sua apreciação e adesão, caso seja do seu interesse.

Lembramos que, segundo levantamentos informais, existem aproximadamente 3.000 templos (Associações, Cabanas, Centros, Ilês, Tendas, Terreiros e demais denominações) em Curitiba e Região Metropolitana, que congregam em torno de 60.000 fiéis, número que pode ser duplicado considerando-se todo o Paraná, o que deve totalizar um número próximo a 120.000 praticantes das Religiões de Matriz Africana em nosso estado.

Buscamos com isso, o seu compromisso de apoio pessoal e institucional, caso seja eleito, para a legitimação, fortalecimento e tratamento igualitário para todas as Religiões de Matriz Africana e seus praticantes, reafirmando a igualdade de direitos e preservando a laicidade do estado brasileiro.

Curitiba, PR 01 de Agosto de 2014.

Assinam o presente documento:

André Luiz de Azevedo Moraes – Dirigente do Terreiro de Umbanda Tio Antônio e presidente do Conselho Deliberativo da FUEP

Brenda Maria Santos – Coordenadora do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana

Cláudio Hilário – Dirigente do Terreiro de Umbanda Reino de Oxalá e Mãe Maria

Edson Luis Verbaneck Maia – Dirigente da Tenda de Umbanda Filhos de Oxalá e Yemanjá

Jorge Kibanazambi – Dirigente da Associação Xangô de Prata

Márcio José Slobodgian – Dirigente do Cazuá do CHA

Marco Aurélio de Gomes Boeing – Dirigente da Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda

Paulo Tharcicio Motta Vieira – Presidente da Diretoria Executiva da Federação Umbandista do Estado do Paraná


Compromissos dos candidatos


Tendo em vista o texto de introdução da presente Carta, encaminhada por lideranças incontestavelmente expressivas e reconhecendo a necessidade de políticas afirmativas imediatas para garantir um tratamento igualitário para as Religiões de Matrizes Africanas, em nosso estado e país, comparativamente ás outras religiões professadas no Brasil, comprometo-me, perante as lideranças, fiéis e simpatizantes das Religiões de Matriz Africana, caso seja eleito, a cumprir ou buscar o cumprimento das reivindicações abaixo apresentadas:


1 - IGUALDADE DE TRATAMENTO PARA TODAS AS RELIGIÕES


- Garantir a imunidade tributária constitucional para os templos das Religiões de Matriz Africana, buscando por todas as formas ao meu alcance, a isenção no pagamento de tributos, impostos, taxas, serviços e emolumentos, nos níveis municipal, estadual e federal, sem o embaraço de alegações de caráter eminentemente protelatórias, em conformidade com que acontece com as outras religiões;

- Auxiliar na obtenção do reconhecimento da utilidade pública para os templos das Religiões de Matriz Africana, buscando oferecer as mesmas condições estruturais ás ações caritativas, sociais, educacionais, culturais e de benemerência prestados;



- Estabelecer uma assessoria especializada no gabinete, para atendimento das demandas e reivindicações dos dirigentes, fiéis e praticantes das Religiões de Matriz Africana.

2 - POLÍTICAS AFIRMATIVAS DE PROMOÇÃO HUMANA


- Buscar estabelecer em todos os níveis de poder a igualdade de tratamento para os praticantes das Religiões de Matriz Africana em todas as dimensões humanas, mas, principalmente nos quesitos educação, saúde, trabalho e renda, estabelecendo convênios para divulgação de oportunidades existentes;

- Fortalecer o regime de cotas para afrodescendentes, mulheres e indivíduos com orientações sexuais diversas, e para os jovens, buscando a erradicação do preconceito e da discriminação ainda presentes;



- Resgatar o projeto da criação da Delegacia Especializada Contra os Crimes de Discriminação Racial, ampliando o escopo para discriminação e preconceito em geral, nos mesmos moldes da Delegacia da Mulher. O projeto já iniciou tramitação na ALEP e está parado na CCJ.

3 - POLÍTICAS DE FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL


- Buscar o fortalecimento da Federação Umbandista do Estado do Paraná e do Fórum Paranaense das Religiões de Matrizes Africanas, através da implantação das políticas públicas para os povos de terreiros, conforme compromissos de âmbito federal da SEPPIR – Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da presidência da república;

- Privilegiar os Dirigentes e Templos sérios e legalmente constituídos das Religiões de Matrizes Africanas, auxiliando na diminuição dos mistificadores, que através de anúncios em postes, ou com verdadeiras “arapucas”, se utilizam do nome das Religiões de Matrizes Africanas para extorquir valores expressivos dos mais incautos, o que contribui para o aumento da discriminação e do preconceito;



- Fazer cumprir a lei federal que prevê o ensino da história da África nas escolas públicas com a participação efetiva e com caráter regulamentador da Federação Umbandista do Estado do Paraná e do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana;



- Encaminhar através do CONPAZ/PR, ações e resoluções que diminuam a “guerra santa” instalada pelas igrejas eletrônicas evangélicas neopentecostais contra as Religiões de Matriz Africana, através do esclarecimento e da educação para a “paz entre as religiões”, que servirá de alicerce para a construção da paz entre todos os seres vivos.

Curitiba, PR 26 de Agosto de 2014.





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